terça-feira, 15 de julho de 2014

Princípios.

[Soundtrack do vídeo! Dê play e leia!]
_ O que é que você tem? - Ele me perguntou.
                   Ora, eu tinha tudo. Boa faculdade, bons amigos, bons momentos na família, boa casa, bom equilíbrio mental (acredite, nem sempre é fácil, quando você é daquele tipo que pensa demais). E eu tinha, naquele momento, parado a minha frente, um bom motivo - um enorme bom motivo - para afirmar que, talvez, eu tivesse tudo o que eu achava não merecer ter.
Motivo esse que tinha nome, endereço, telefone, academia seis dias por semana e um par de olhos (sim, um par! Ele não é caolho, o que é, no mínimo, agradável) que me matava todos os dias. Matava e trazia de volta à vida.
_ Nada. É bobagem - respondi.
                   Como explicar para ele? Como explicar aquele medo, aquela angústia tola, desnecessária e dispensável numa segunda-feira à tarde? Como falar sobre 21 (vinte e um, sim) problemas abomináveis de uma mulher que mal tinha alcançado os dezoito anos? Como pedir a compreensão dele para 10 devaneios de carência, 4 surtos de abstinência afetiva, 4 casos indefiníveis, 2 problemas "maiores ainda" - e um desgraçado, digno de se esquecer (só não tão sujo quanto a imagem que eu fiz de mim mesma, depois de tudo)? Como explicar que me deixei ser atingida de tantas formas? Como explicar, sem parecer tendenciosa, que apenas ele - apenas aquele desastrado parado a minha frente - tinha me aceitado, me admitido... Por acreditar que, no fundo, eu sempre quis lutar e persistir? Por dizer que, enfim, eu seria suficiente? Como contar que ele tinha encontrado as minhas raízes? Como explicar que ele havia me encontrado nos meus sonhos, que ele habitava em meus sonhos - que os sonhos dormindo não se comparavam, em momento algum, aos sonhos que eu tinha acordada, diariamente, olhando para aquele bom motivo?
_ Você não fica triste por bobagem. Vou começar a pensar que eu fiz alguma coisa errada... - chantageou.
                   Acho que foi o maxilar. Alguma coisa na expressão de desafio, também. Alguma coisa sobre músicas antigas. Night in white satin, baby.
Mas, quem sabe, tenha sido o jeito como ele acaricia meu braço, como se aquele gesto - acariciar um braço - significasse tudo o que alguém poderia querer entender. O olhar de soslaio, seguido de um riso baixo, abafado, quieto - sem motivo, sem explicação. Os risos dentro de um ônibus estressante - "não sou eu quem transforma meu estresse em graça, homem. É você!" - ou os outros risos no meio do calçamento; risos no meio de uma aula, a vontade de rir no meio de um beijo - afugentada pela vontade maior de beijá-lo ainda mais. A maneira como ele abraça de leve - nunca tão forte, nunca prendendo... Deixando-me livre em mim. E, ao mesmo tempo, me convidando a não querer sair dali. Não querer sair daquele laço, não aceitar ser mera sombra do meu passado, não sair da redoma de proteção que ele cria entre nós e o mundo.
Não. 
Eu nunca sairia dali.
_ Não é nada. Só não sei quanto tempo pode demorar até a gente se ver de novo. Só isso - concluí.
                    Não me leve a mal: não é que eu seja bobinha. Não sou. Também não sou imatura, incabível, inconsequente ou impulsiva demais - não mais, pelo menos. Sou dramática, tudo bem - mas termina aí, e isso não tem nada a ver com drama. Tem a ver comigo.
Com o medo que eu tenho que ser mais difícil sem ele por perto. Com a constante pergunta "por que eu não pude conhecê-lo antes, meu Deus?". Com a maneira de eu me tornar inerente aos meus sentimentos, com a maneira que ele arranjou de dominar tudo onde, antes, eu esbanjava posse: autocontrole, coerência - a ciência de esperar na calçada, e não no meio do asfalto. A determinação de ser a guia das minhas escolhas. Mas agora... É diferente. Diferente porque ninguém sabe que nunca, mesmo com 21 histórias de "antiamor", alguém teve esse efeito em mim. Ninguém fez com que eu, finalmente, pouco me importasse com as pessoas olhando. Ninguém me tirou de órbita. Ninguém me avisou que valeria a pena dar créditos aos Smiths, ninguém transformou um beijo numa viagem. Ninguém respeitou, com tanta solenidade, os meus limites, os meus receios, as minhas pedras no meio do caminho. Ninguém foi tão ele.
Ninguém pode ir tão fundo em mim.
_ Prometo que a gente vai se ver logo.
                       Queria que você pudesse saber. Queria que você pudesse sentir. Seja você quem for: poderia sentir isso, que mora aqui dentro, uma vez na vida - e seria suficiente. Eu queria poder lhe mostrar que o tempo não é nada. Queria poder mostrar que não importa quantas vezes você caiu num beco sem saída: as coisas melhoram. Queria contar que depois de momentos ruins, os bons chegam - bons momentos e bons partidos, alguém me falou. Queria que ele soubesse, uma vez na vida, que conquistou a minha verdade.
                       Por enquanto, eu continuo olhando-o, todas as vezes, antes de subir no ônibus. Ele nunca ainda está olhando também - mas eu olho, mesmo assim. Porque olhar é bom. Grava, como uma foto. Quando eu me viro e me deparo com o maxilar que sempre me desconserta demais, eu sinto que ele ainda não conhece o principal segredo: eu nunca saio, de verdade, do seu lado, homem. Nunca saio do seu abraço. Mesmo não sendo... Eu já sou.
Sua demais. 
 

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